No caso dos adolescentes, que estão em processo de construção de culturas próprias e de autonomias, a mediação é menor, mas ainda assim, deve ser realizada, principalmente através do diálogo.
Mostrar-se aberto para dúvidas para acolhimento e ajudá-los a nomear os problemas que estão enfrentando torna-se essencial para a sua segurança, especialmente quando se trata das vivências que o menor de idade tem fora de casa.
Isso faz com que a criança se sinta livre para conversar, diz a psicóloga Elisa Altafim, doutora na área de saúde mental e membro do NCPI (Núcleo Ciência pela Infância). “Quando a criança sentir confiança nos seus cuidadores, vai conversar sobre as situações que muitas vezes geram, inclusive, incômodo.”
A conversa como guia é a principal forma de construir a confiança na família, afirma Juliana Prates, professora de Psicologia da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e doutora em estudos da criança.
“O diálogo é fundamental porque o filho pode e vai transgredir regras. E ele precisa entender que a família é seu principal aliado, e os pais não podem ser vistos como inimigos. O adolescente tem que ter certeza de que se tiver um problema, a primeira pessoa que ele vai ligar é a família. É uma estratégia de segurança absolutamente inegociável”, afirma.
Isso não quer dizer que o filho não deve ser repreendido. Pelo contrário, precisa entender que haverá consequências, mesmo que protegido, acolhido e escutado.
“Não conseguiu cumprir aquilo que a gente combinou, então deixa de ter o privilégio que antes tinha. ‘Não soube usar o celular, vai perder o celular. Podia sair com os amigos, mas está descumprindo as regras que a gente combinou, não pode mais sair com os amigos.’ Então, as ações têm consequências e os pais são aqueles que vão demonstrar quais são as consequências imediatas”, acrescenta.
Práticas violentas como gritos e palmadas, no entanto, não devem existir, mesmo porque geram medo e coíbem a confiança. A exposição à violência é também uma forma de “adultização”, ou seja, a antecipação de fases de vida, expondo-as a situações que ela ainda não tem maturidade para lidar, diz Altafim.
Por isso, os pais precisam contar também com um apoio coletivo, o que vem da ideia de que é preciso uma comunidade para cuidar uma criança. Isso também perpassa pela lógica de que a criança é uma cidadã e, por isso, tem o direito da vivência no espaço público.
Nesse sentido, é também promover o comportamento adulto esperar que uma criança não usufrua do espaço. “Quando, por exemplo, em condomínios, não é oferecido um espaço para a criança brincar. O que a gente espera é que a criança não faça barulho, não corra. O brincar vira um incômodo. Mas também na rua, em praças e parques”, afirma Altafim.
É possível, portanto, de forma colaborativa, construir espaços seguros, em que a criança é cuidada por todos a sua volta, acrescenta Prates.
“A gente precisa construir essa aldeia segura que protege crianças e adolescentes que não são nossas. Não adultizar as crianças implica entender que elas precisam ser cuidadas. A gente precisa garantir um tripé de direitos, que a gente chama de provisão, participação e proteção. Então isso significa que um espaço para as crianças e adolescentes precisa ser construído por todos em volta”, diz.
Isso significa que, quando a criança começa a descer sozinha para brincar no playground, cada condomínio deve ter as suas regras, pelas quais, por exemplo, uma criança não deve andar sozinha no elevador. Ela lembra-se do caso do menino Miguel que, aos 5 anos, que morreu após cair do 9º andar de um prédio residencial no centro do Recife.
O cuidado passa também por questões de raça e gênero, uma vez que crianças negras e meninas tendem a ser “adultizadas” mais precocemente, afirma Prates. “Eu posso garantir que meu filho não vai ver pornografia? Não, mas eu tenho que ter diálogo. Então, à medida que meu filho vai crescendo, eu vou instrumentalizando ele para analisar esse conteúdo de forma crítica”, exemplifica.
A autonomia deve ser ensinada aos poucos, com ensaios acompanhados, e informar as crianças sobre aquilo que ultrapassa seus próprios limites e viola seus direitos é fundamental.
Ela reforça que a melhor forma de lidar com o mundo é a mediada. “Os riscos são inerentes à vida em sociedade. O que garante que a família continue com o limite de proteção é ser compreendida pelos filhos como principal fonte de proteção”, acrescenta.
Em condomínios e ruas, essa presença é o que transforma o brincar em experiência de desenvolvimento e não de risco, diz Altafim.
Dicas para pais em condomínios e ruas
- Acompanhe as brincadeiras, permitindo autonomia compatível com a idade, mas sempre mantendo atenção
- Incentive jogos tradicionais (pega-pega, corda, bola, elástico), que ensinam cooperação e negociação
- Oriente a resolver conflitos de forma respeitosa e intervenha quando houver risco de violência física ou exclusão
- Converse com outros pais e moradores para alinhar regras de convivência
- Estabeleça um grupo de confiança para supervisionar em conjunto
- Explique que se alguém oferecer bebida, drogas ou pedir segredo, isso não é seguro. Oriente a procurar imediatamente você ou outro adulto de confiança
- Diga sempre: “se algo te deixar desconfortável, pode me contar sem medo”
- Reforce que a criança não será punida por pedir ajuda
- Converse nas assembleias de condomínio sobre a importância do brincar para o desenvolvimento infantil
- Reserve áreas seguras para as crianças: quadras, parquinhos, jardins, e organize o uso de forma que favoreça a convivência
- Defenda horários e locais que garantam que as crianças possam brincar sem atrapalhar nem serem reprimidas/Folha SP
(Foto: Reprodução)