Pepe Mujica, 80 anos, foi recebido como herói na noite de quinta, 26, quando 1 350 jovens lotaram o auditório da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, para assistir sua palestra na abertura da 11ª Conferência da Juventude sobre Mudanças Climáticas (COY11).
No salão da reitoria foi montado um telão para os desesperados que não tiveram acesso ao local onde ele estava falando. Raquel Rosenberg, representante da ONG Engajamundo, explicava o apelo dos jovens catarinenses durante a Conferência da ONU sobre o Clima, em Bonn, na Alemanha, para trazer a COY11 para o hemisfério Sul, quando foi surpreendida pela organização.
“Desculpe, teremos que quebrar o protocolo, mas o Mujica quer falar!”, disse ela. Vestindo jaqueta de couro marrom e calça de algodão, ele apareceu por detrás das cortinas. A plateia ficou em pé. Dois minutos de aplausos e gritos.
Diante da crise de representatividade política no Brasil, o ex-guerrilheiro tupamaro, que viveu 14 anos na cadeia por lutar contra a ditadura militar uruguaia, é um símbolo.
“Mujica é como um Trotsky ou um Cristo. É um homem simples, mas não comum, diferente de muitas bestas que estão no Congresso. Ele está à frente do seu tempo e propõe uma nova revolução ”, disse um empolgado estudante de agronomia, Kadu Medeiros, 23 anos.
A descrença na política é vista pelo uruguaio como algo muito perigoso. “O homem é um animal utópico. No seu DNA está inscrita a necessidade de acreditar em algo”, falou.
Para Mujica, a fé na política foi rompida porque os homens da república se comportam, sem perceber, de maneira semelhante aos monarcas. Mujica, enquanto presidente, doou 70% dos 230 mil pesos que recebeu mensalmente (cerca de R$ 22 mil) para o seu partido, a Frente Ampla, e para construções de moradias solidárias.
Em todos os seus perfis, ele foi descrito como “presidente e agricultor”. Não quis trocar sua chácara em Rincón del Cerro pelo palácio presidencial, assim como não vendeu seu fusquinha azul 1987 para um xeque árabe que lhe teria oferecido 1 milhão de dólares. “Não sou austero, sou sóbrio. Não sou pobre, sou livre”, replicou.
E foi sobre a liberdade de não transformar a vida em moeda de troca a principal defesa de Mujica durante a palestra que durou quase duas horas e foi interrompida sete vezes por aplausos.
“As pessoas acham que compram coisas com dinheiro, mas não. Compram com a vida, com o tempo que gastaram para ganhar o dinheiro. Muita vezes trabalhando em algo que não acreditam, apenas para comprar, comprar. E esse é um caminho sem volta ao desespero, por que as ofertas do mercado são infinitas e cada vez que as pessoas adquirem algo,desejam mais, trocam de carro todo ano, se sentem orgulhas por ter, então precisam trabalhar mais. Não percebem que o único milagre é a vida que desperdiçaram”, disse.
“Nossa vida deve ser maior. Devemos ter tempo para nos dedicar aquilo que nos atrai e não estou falando de prazer sensual, mas de luta libertária. Se aprendermos a viver com o necessário não sugaremos o sangue do planeta, nem iremos jogar fora nossos dias”.
Para transformar consumismo em sustentabilidade, ele propõe uma reforma cultural: “O ser humano é o único animal que tropeça várias vezes na mesma pedra” . O auditório entra em delírio.
“Por favor, lutem. Não fiquem de braços cruzados. Se há esperança na vida, não há derrota, porque o triunfo também nunca é definitivo. Mas lembrem-se, vocês não podem ficar restritos à academia, precisam do calor das massas se desejam mudança”.
Por fim, sugeriu a integração da América Latina. “A união entre os países não acaba com a independência de cada um, pelo contrário. Sem os outros, somos apenas folhas soltas ao vento. Até países grandes como o Brasil se tornam pequenos diante dos donos do poder”.
Durante a presidência, Mujica conduziu seu “pequeno país”, como chama o Uruguai, para a esquerda, tornou possível a concretização de pautas históricas relacionadas a direitos civis, como a despenalização do aborto, a regulamentação da produção e venda da maconha, a Lei de Meios e o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Ele é casado desde a década de 70 com sua companheira de militância Lucía Topolansky. Quando descriminalizou a maconha foi duramente criticado por alguns jornalistas. Na ocasião explicou que apenas não gostaria de apoiar o narcotráfico e disse uma de suas frases mais célebres: “Todo vício é uma praga, exceto o amor”.