Pauta antiga de entidades da área de direitos humanos, a informação sobre o número de pessoas em situação de rua no país deve continuar desconhecida após o Censo 2020 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com o instituto, o assunto é estudado pela equipe técnica, porém ainda sem previsão de inclusão no levantamento.
“Nossas pesquisas consideram apenas domicílios permanentes, e identificar pessoas em situação de rua exige um grande esforço de mobilização, em particular em países com grandes territórios, como o Brasil”, informa o IBGE.
De fevereiro a abril deste ano, o instituto abriu pela primeira vez uma consulta pública para que pessoas e instituições apresentassem sugestões de temas e perguntas para o questionário do Censo Demográfico 2020 por meio do portal do IBGE
A necessidade da contagem do número de pessoas que se encontram atualmente nessa condição é uma reivindicação principalmente de instituições e movimentos ligados ao tema, mobilizados em nível nacional. “A população em situação de rua tem pressa, tem uma urgência histórica de ser visibilizada nessa pesquisa”, ressalta Manuel Torquato, representante da Campanha Nacional Criança Não é da Rua, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
Em maio, o IBGE começou o primeiro teste de coleta de dados para o Censo 2020 pela internet em 52 municípios das cinco grandes regiões, incluindo domicílios de todas as capitais e cidades com mais de 500 mil habitantes.
Entre 20 de agosto e 6 de setembro foi realizada a primeira prova piloto do questionário temático do Censo 2020, com perguntas específicas para indígenas, quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais. O censo pretende refinar a identificação de povos indígenas e incluir as comunidades quilombolas por meio de uma questão de pertencimento específica, em conformidade com o Decreto nº 8.750 de 2016, que institui o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais.
A inclusão da população em situação de rua no Censo 2020 já havia sido solicitada pelo Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua (Ciamp-Rua), instituído em conjunto com a Política Nacional em Situação de Rua pelo Decreto nº 7.053 de 2009.
“Depois de muita dificuldade, o IBGE vai incorporar agora povos e comunidades tradicionais, já incorporou populações indígenas e quilombolas, agora é preciso avançar na identificação dessa população invisibilizada pela nossa sociedade. É muito importante que o IBGE como órgão oficial de pesquisa faça essa investigação, porque trabalha com categorias próprias, é uma política pública importante, é preciso conhecer para poder atuar”, destaca a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat.
Metodologia
Em 2014, o IBGE chegou a fazer um pré-teste no município do Rio de Janeiro. Segundo o instituto, houve dificuldade em executar a pesquisa com populações sem domicílio devido à necessidade de metodologias de amostragem, logística de campo e abordagem do entrevistado.
“A gente não pode aceitar que o principal instituto de pesquisa do país não faça essa contagem porque diz não ter metodologias. No mundo, existem várias e aqui mesmo no Brasil temos metodologias interessantíssimas. A gente tem apontado isso para o IBGE e esse diálogo não acontece por falta de abertura do órgão”, afirma Manuel Torquato, do Conanda.
O levantamento mais recente sobre essa população foi feito em 2016 pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), que estimou em 101.854 pessoas o número de pessoas situação de rua no Brasil.
A pesquisa usou dados de 1.924 municípios por meio do Censo do Sistema Único de Assistência Social (Centro Suas), e a estimativa considerou fatores crescimento demográfico, centralidade e dinamismo urbano, vulnerabilidade social, serviços voltados à população de rua e o número de pessoas em situação de rua inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do governo federal (Cadastro Único). O documento publicado pelo Ipea aborda a necessidade de dados oficiais sobre essa população. “[A ausência de dados oficiais sobre a população em situação de rua], justificada pela complexidade operacional de uma pesquisa de campo com pessoas sem endereço fixo, prejudica a implementação de políticas públicas voltadas para esse contingente e reproduz a invisibilidade social da população de rua no âmbito das políticas sociais.”
No dia 23 de julho deste ano, data em que foram lembrados 25 anos da Chacina da Candelária no Rio de Janeiro, quando oito jovens em situação de rua foram assassinados, organizações ligadas ao tema se mobilizaram nas sedes do IBGE em 15 estados para entregar à coordenação geral do Instituto um documento com a proposta de inclusão de uma pergunta na pesquisa domiciliar do Censo 2020 relacionada a essa população. A proposta é que as pessoas entrevistadas em suas casas respondessem sobre a existência de algum integrante da família em situação de rua.
“A inclusão dessa pergunta não nos diria quantas pessoas estão em situação de rua, mas já nos daria o dado de quantas famílias dizem possuir pessoas em situação de rua no Brasil. O IBGE respondeu novamente que não possui metodologia pra fazer uma pesquisa com essa população, mas não era isso que estávamos pedindo naquele momento”, acrescenta Torquato.
Estudos que pudessem quantificar e permitir a caracterização socioeconômica das pessoas em situação de rua são reivindicados como uma ação prioritária desde o 1º Encontro Nacional da População em Situação de Rua realizado, em setembro de 2005.
De 2007 a 2008, o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário promoveu o 1º Censo e Pesquisa Nacional sobre População em Situação de Rua e apontou um total de 31.922 pessoas nessa situação nos 71 municípios onde a pesquisa foi realizada – cidades com mais de 300 mil habitantes e capitais.
O estudo teve como alvo pessoas com 18 anos ou mais que se encontravam nessa condição, mas não foi feito com o objetivo estimar o total da população em situação de rua no país. Importantes capitais que já contavam com pesquisas nesse sentido foram excluídas da pesquisa, caso de São Paulo, Recife, Belo Horizonte e Brasília.
O ministério usou dados disponíveis nas secretarias e conselhos estaduais e municipais de assistência social por meio do Censo do Sistema Único de Assistência Social (Centro Suas) e equipamentos públicos os Centros de Referência da Assistência Social (Cras), Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e Centros de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centros POP).