Um grupo de advogados e advogadas do Rio Grande do Sul encaminhou nesta terça-feira (5), junto à Corregedoria do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, uma representação solicitando a apuração da conduta do juiz Sérgio Moro no episódio envolvendo as interceptações telefônicas de pessoas ligadas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o levantamento do sigilo judicial em relação ao conteúdo das mesmas. Os signatários e signatárias da representação consideram que a condução do expediente judicial pelo juiz Sérgio Moro “afronta as disposições constitucionais e legais acerca de tal medida excepcional de investigação”, destoando das “obrigações impostas aos magistrados pela Lei Complementar 35 de 1979 e pelo Código de Ética da Magistratura Nacional”.
A representação não questiona os atos jurisdicionais do juiz Sérgio Moro, “relacionados com o poder decisório próprio do exercício jurisdicional e exercidos de acordo com o livre convencimento autorizado pelo ordenamento jurídico”, mas sim “elementos da condução do expediente judicial que se revelam flagrantemente ilegais e em descompasso com as obrigações impostas pelo Estatuto e pelo Código de Ética da Magistratura” e que “deixa, clara a absoluta falta de avaliação, pelo magistrado, das consequências político-sociais de sua decisão”. Ao proceder deste modo, acrescenta a representação, Moro teria comprometido “a lisura, e legalidade e a legitimidade do expediente judicial em análise, utilizando-se, ao que parece, para fins diversos dos que por lei determinados e violando, como se nada fosse, o devido processo legal e as garantias e direitos constitucionais das pessoas envolvidas”.
Os signatários da representação destacam ainda que o expediente judicial em questão “tramita em contexto social e político bastante peculiar na realidade brasileira, em cenário de intensa disputa política, de inadequado menosprezo das garantias individuais e dos direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, de expansão dos discursos de ódio e de consumação de atos violentos, relacionados com o questionamento da idoneidade das instituições nacionais”. A divulgação de atos processuais relacionados à Operação Lava Jato, acrescentam, “impactam o cenário político, acirram ânimos, fomentam embates e potencializam confrontos”.
“Se a prudência e a cautela acerca dos atos decisórios devem orientar toda e qualquer ação de um magistrado, em cenário político-social de reconhecida instabilidade, redobra-se a obrigação do juiz de exercer juízo adequado e parcimonioso sobre a consequência dos atos por ele autorizados em suas decisões, bem como sobre a pertinência da divulgação deles”, questionam ainda os advogados e advogadas que assinam a representação. O documento questiona as seguintes decisões do juiz Sérgio Moro:
(i) a manutenção nos autos de áudio de comunicação telefônica interceptada sem ordem judicial – porque ocorrida posteriormente à determinação de interrupção da medida investigatória;
(ii) a manutenção nos autos de áudios cujos conteúdos mostram-se totalmente desvinculados do objeto da investigação, não havendo qualquer ligação, sequer reflexa, com as supostas práticas criminosas investigadas;
(iii) o levantamento do sigilo judicial dos expedientes, o que resultou na ampla e imediata divulgação dos áudios – inclusive daquele gravado sem ordem judicial e assim mesmo mantido nos autos — nos veículos de comunicação social, os quais, como se pode perceber da escuta dos diálogos, em nada se relacionam com o objeto da investigação.
“Flagrante violação à lei e à Constituição Federal”
Para os advogados que assinam o documento, o juiz Sérgio Moro, “em flagrante violação à lei e à Constituição Federal – que veda a prova ilícita – determinou a manutenção nos autos de áudio obtido através de interceptação telefônica ilegal – em decisão em que ele mesmo reconhece a ilegalidade da gravação”. Além disso, acrescentam, Sérgio Moro, “ao tomar ciência de que gravações realizadas em período não atingido pela autorização judicial, consignou nos autos que não vislumbrou maiores problemas no ocorrido e decidiu manter – e sem sigilo! – as conversas ilegalmente gravadas”.
A representação lembra ainda as normas do Estatuto da Magistratura e do Código de Ética da Magistratura Nacional, segundo as quais “o juiz deve cumprir com exatidão as disposições legais, deve agir e julgar com imparcialidade – considerada como a conduta que resguarda equidistância das partes, que busca a verdade dos fatos nas provas com objetividade e fundamentos e que evita favoritismo, predisposições e preconceitos – e, inclusive, atentar para as consequências das decisões que vier a proferir”. O documento também chama a atenção para a importância do cumprimento do que estabelece o artigo 12 do Código de Ética da Magistratura no que diz respeito à relação do juiz com os meios de comunicação. Segundo o artigo em questão, o magistrado deve cuidar:
I – para que não sejam prejudicados direitos e interesses legítimos de partes e seus procuradores;
II – de abster-se de emitir opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos, sentenças ou acórdãos, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos, doutrinária ou no exercício do magistério.
Os signatários também consideram inapropriadas as condutas que demonstrem busca por reconhecimento social e autopromoção, conforme prevê o artigo 13 do Código de Ética: “O magistrado deve evitar comportamentos que impliquem a busca injustificada e desmesurada por reconhecimento social, mormente a autopromoção em publicação de qualquer natureza”.
A partir do conjunto de irregularidades e ilegalidades apontadas na representação, seus signatários pedem à Corregedoria, entre outras, as seguintes providências:
– a instauração de processo administrativo disciplinar em face do juiz Federal Sérgio Fernando Moro, previsto nos artigos 402 e seguintes do Regimento Interno do TRF4, pelos fatos e condutas acima descritos;
– o afastamento cautelar do Juiz Federal Sérgio Moro de suas atividades, até a decisão final do procedimento disciplinar, com base no artigo 405 do Regimento Interno do TRF4, devido aos fatos descritos, que configuram condução temerária dos processos e que colocam em risco a legalidade dos expedientes judiciais;
– a imposição de medidas disciplinares cabíveis por violação ao artigo 35, I, do Estatuto da Magistratura (Lei Complementar 35/79) e aos artigos 25 e 12 do Código de Ética da Magistratura Nacional;
Assinam a representação os advogados Gomercindo Lins Coitinho, Mario Madureira, Valmir Martins Batista, Jorge Santos Buchabqui, Glênio Luis Ohlweiler Ferreira, Felipe Néri Dresch da Silveira, Amarildo Maciel Martins, Thiago Cecchini Brunetto, Gabriel Lemos Weber e as advogadas Raquel Paese e Raissa Tonial.