Quem tem recursos extras para receber neste fim de ano, como 13º salário, gratificações, participação nos lucros e resultados (PLR) ou restituição de Imposto de Renda, pode aproveitar o momento para acertar dívidas, realizar planos de consumo e/ou, com algum esforço e planejamento, fazer o que mais da metade dos brasileiros ainda não consegue: iniciar uma reserva financeira de segurança.
Pesquisa feita pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) e quantificada pelo Datafolha mostra que 52% dos brasileiros não possuem reserva financeira para despesas inesperadas, apesar de a maioria (85%) ter consciência da necessidade de guardar dinheiro para uma emergência.
Também de olho no orçamento dos brasileiros, o Indicador de Propensão ao Consumo, apurado pelo SPC Brasil e Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) — realizado em setembro e projetando o orçamento de outubro, sinaliza que seis em cada 10 consumidores (59,1%) pretende cortar gastos. Outros 32% esperam manter o mesmo nível de gastos e 4,9% aumentarão despesas.
Falando sobre a pesquisa, José Vignoli, educador financeiro do SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito), lembra que os efeitos da crise se destacam entre as justificativas para os que irão diminuir o consumo: 22,6% mencionam como fator que os motiva os altos preços ,17,5% o desemprego e 8,2% a redução da renda. Outros 11% citam o endividamento e a situação financeira difícil. Mas apenas 8,9% mencionam a intenção de fazer reserva financeira — apesar de 22,2% citarem que “estão sempre tentando economizar”.
Ainda de acordo com o levantamento, grande parte dos consumidores (42,8%), refletindo sobre a situação de suas finanças em setembro, disse estar no ‘zero a zero’, isto é, sem sobra nem falta de recursos. Já 36% dos consultados disseram estar ‘no vermelho’, isto é, sem conseguir pagar todas as contas. E 14,9% afirmaram estar ‘no azul’ (com sobras de recursos), sendo que desses, 3,6% devem gastar as sobras (ir para o consumo) e uma fatia de 11,3% pretende poupar.
A pesquisa abrangeu 12 capitais das cinco regiões brasileiras. A amostra, de 800 casos, foi composta por pessoas com idade superior ou igual a 18 anos, de ambos os sexos e de todas as classes sociais. A margem de erro é de 3,5 pontos percentuais.
Os números, de acordo Vignoli, mostram o impacto da crise nos orçamentos pessoais e familiares, mas, em muitos casos, também a negligência das pessoas com as próprias finanças. Isso, segundo ele, acaba tendo reflexos sobre o consumo, seja pela decisão do próprio consumidor de adiá-lo ou pela restrição de crédito.
“Temos hoje perto de 59 milhões de consumidores inadimplentes. A situação dificil reflete a crise econômica. Mas, em grande parte, também questões comportamentais”, analisa Vignoli. A percepção do educador é que “independentemente de classes sociais, muitos criam padrões de consumo incompatíveis com sua situação financeira, além de ter dificuldades para lidar racionalmente com dinheiro, fazer reservas ou se planejar.”
Segundo Vignoli, para os que têm alguma entrada de recursos extras neste fim de ano, o momento é bastante oportuno para dar início a uma mudança de hábitos, buscando montar reserva financeira ou retomar uma poupança já iniciada.
“Apesar de vermos um começo de recuperação da economia, a situação continua exigindo muita cautela, e ainda teremos pela frente um ano eleitoral”, alerta. Lembra também que apesar de os juros básicos (Selic) estarem em baixa, essa queda ainda não se reflete com a mesma intensidade na ponta das taxas de empréstimos ou de consumo, exigindo cuidados na tomada de crédito e compras a prazo.
Diante desse cenário, para os que já estão sonhando com presentes e as festas de Natal e Ano Novo, Vignoli destaca que planejamento e educação financeira não significam “não comprar nada”, mas comprar de forma racional, da maneira certa e na hora certa. “O ideal, por enquanto, seria segurar os gastos de consumo, priorizar o acerto de contas e dívidas, começando pelas mais caras, com juros maiores”, orienta.
Quitação, troca de linhas de crédito e antecipação de parcelas
Para os que estão ‘no vermelho’ e tomaram empréstimos bancários, a principal dica do professor de economia da Saint Paul Escola de Negócios Alan Ghani também é usar os recursos extras para quitar o máximo possível de dívidas,”pois mesmo aquelas com juros menores têm taxas muito superiores às que são pagas pelos bancos na remuneração das aplicações financeiras”.
Além de valer a pena, de acordo com os especialistas, trocar o perfil das dívidas, passando de linhas mais caras (cartão de crédito, cheque especial) para mais baratas (consignado, crédito pessoal), outra possibilidade é antecipar o pagamento de parcelas de empréstimos, usando recursos extras recebidos, pois os bancos deverão fazer a redução proporcional dos juros embutidos.
Feito isso, diz Vignoli, e ainda havendo condições, parte dos recursos poderia ir para consumo e outra, mesmo que pequena, para investimento. Mas o mais importante, no entendimento do educador financeiro, é a mudança de atitude, com adoção de um orçamento planejado, que inclua o indíviduo e toda a família. “Uma das principais armadilhas ao montar um orçamento é fazer isso de maneira que não se adapte à forma de viver das pessoas”, completa.
Na visão de Ricardo Gomes, planejador Financeiro da Associação Planejar, usar de forma inteligente os recursos que entram, sejam os normais ou eventuais extras de fim de ano, não implica necessariamente em sacrifícios ou deixar de consumir. “Dinheiro é para ser gasto”, destaca. Mas acrescenta que o importante, e que muitos não percebem, “é a decisão de em que momento gastar, tentando fazer isso da maneira mais equilibrada possível.”
Para facilitar o entendimento dessa ideia, ele diz que as pessoas podem dividir esse momento em três tempos: passado, presente e futuro. Exemplifica como ‘passado’ as dívidas (gastos fora dos limites do orçamento, que geraram pendências com bancos, amigos, familiares). No ‘presente’, poderiam estar lembranças e presentes de Natal, viagens ou festas de fim de ano, e no ‘futuro’, investimentos para demandas mais adiante como aposentadoria, troca de casa ou de automóvel, entre outras.
Separando esses diferentes tempos em escaninhos, explica Gomes, a pessoa ou a família conseguem enxergar melhor sua situação, podendo optar por aplicar todo o ganho extra, por exemplo, em um único momento, ou dividir os recursos, destinando um pouco para cada um dos tempos.
Os que tiverem dívidas, diz Gomes, não precisarão, necessariamente, gastar todo o recurso com o ‘passado’. Se a dívida estiver controlada, com juros baixos (por exemplo um financiamento imobiliário), com prestações cabendo confortavelmente no orçamento — e se a pessoa não possuir nenhuma reserva financeira, poderá ser mais interessante guardar (aplicar) uma parte do ganho extra. “Com isso, ela terá mais possibilidade de fazer frente a possíveis emergências, sem ter de recorrer a empréstimos, do que se optar por ‘quitar’ todo o passado”, destaca.
Outro exemplo seria o de uma pessoa que esteja “no azul”, portanto sem dívidas, e que já guarda uma quantia mensalmente. Considerando que já tenha formado uma reserva razoável (lembrando sempre que cada caso é um caso), em tese, ao receber um ‘extra’, poderia tranquilamente poupar uma parte (futuro) e gastar outra (presente) em consumo, em coisas que considere importantes para sua qualidade de vida.
Já um cenário em que a pessoa ou família não tenha dívidas nem reservas (esteja no ‘zero a zero’, como 43% dos consultados na pesquisa SPC/CNDL), segundo Gomes, pode ser bastante interessante para começar reserva pensando no momento ou no ‘futuro’. “Existem inumeráveis cenários, em que as pessoas terão de ponderar e buscar equilíbrio. Mas sabemos que o ser humano nem sempre toma decisões racionais.”
(Exame)