MP reitera pedido para tornar Bolsonaro inelegível; TSE retoma julgamento na terça

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O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) suspendeu nesta quinta-feira (22/6), o julgamento que definirá o futuro político de Jair Bolsonaro (PL) e de todo o campo da direita nas próximas eleições. A sessão, que ficou restrita a manifestações dos advogados de acusação e defesa e do Ministério Público Eleitoral, será retomada na próxima terça-feira, com o voto do relator, ministro Benedito Gonçalves.

Acusado de abuso de poder político, conduta vedada, desordem informacional e uso indevido dos meios de comunicação, o ex-presidente pode perder os direitos políticos e ficar sem disputar eleições por oito anos se for condenado. Ou seja: ele ficaria inelegível até outubro de 2030, abrindo uma disputa pelo espólio bolsonarista.

O vice-procurador-geral Eleitoral, Paulo Gustavo Gonet, foi o último a falar antes de a sessão ser suspensa e reiterou o pedido de condenação. “Relançar aos cidadãos proposições que abalam a legitimidade do pleito eleitoral às vésperas da sua realização, que já haviam sido desmentidas, sem a exposição de novas bases que as fundamente, não é contribuir para o progresso das estruturas da democracia, mas é degradá-la ardilosamente”, afirmou.

O pano de fundo da ação é a reunião convocada por Bolsonaro, então presidente, com embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada, em 18 de julho de 2022. No encontro, sem apresentar provas, ele atacou o sistema de votação brasileiro, as urnas eletrônicas e levantou suspeitas sobre o processo eleitoral. As falas do presidente foram transmitidas pela TV Brasil.

Gonet voltou a defender a condenação de Bolsonaro, nos termos do posicionamento enviado ao TSE no mês passado. Segundo ele, o evento com os embaixadores foi “deformado” em uma “manobra eleitoreira”. Na avaliação dele, o discurso do ex-presidente ultrapassou a liberdade de expressão e tentou “manipular” informações, sem provas.

“O chamado à desconfiança das eleições não rendeu a maioria dos votos mas provocou reações de desconfiança de parcela da população sobre a legitimadade das urnas, como jamais se viu desde constituição de 1988″, criticou.

O ministro Benedito Gonçalves abriu o julgamento com a leitura do relatório, o que durou duas horas. O documento, de 45 páginas, não apresenta nenhuma conclusão sobre o mérito do processo. É um resumo técnico do andamento da ação até o julgamento (leia a íntegra).

‘Obsessão golpista’

Autor da ação, o PDT sustenta que Bolsonaro usou o evento para fazer campanha, o que atrairia a competência da Justiça Eleitoral. Em sua fala, o advogado Walber de Moura Agra foi o primeiro a falar após a leitura do relatório. Ele teve 15 minutos para defender a condenação de Bolsonaro em nome do PDT.

A estratégia foi tentar ligar a reunião com os embaixadores a um contexto mais amplo de ataques antidemocráticos e tentativas de desacreditar o sistema eleitoral, que culminou os atos golpistas do dia 8 de janeiro em Brasília. “Obsessão golpista”, afirmou o advogado ao se referir ao histórico de declarações do ex-presidente.

Agra também deu destaque à minuta golpista apreendida pela Polícia Federal na casa do ex-ministro de Justiça Anderson Torres. O rascunho previa uma intervenção do presidente e de membros do Ministério da Defesa no TSE para anular o resultado da eleição. Bolsonaro nega ter envolvimento na elaboração do documento.

“Não é texto apócrifo. Nós não sabemos a indicação pessoal de quem o fez, mas sabemos a responsabilidade. A responsabilidade está no Palácio do Planalto”, acusou o advogado do PDT.

Bolsonarismo ‘não está em julgamento’, diz defesa do ex-presidente

Em manifestação escrita enviada ao TSE antes do julgamento, a defesa de Bolsonaro afirmou que a reunião não teve cunho eleitoral, porque foi organizada na condição de chefe do Poder Executivo federal e se inseriu no contexto de “diálogo institucional”. Os advogados argumentam ainda que as declarações fizeram parte de um “debate de ideias” para aprimorar o sistema de votação e foram pautadas pela “convicção pessoal” do ex-presidente.

O advogado Tarcísio Vieira de Carvalho teve 30 minutos para falar em nome de Bolsonaro. Ele abriu a fala tentando “despolitizar” o julgamento. “Não está em julgamento, como quer se fazer crer, o bolsonarismo. Não se está a arbitrar uma disputa sangrenta entre a civilização e a barbárie”, iniciou.

Carvalho acusou o PDT de tentar instrumentalizar a Justiça Eleitoral, chamou a ação de “impostora” e defendeu que o processo não pode ser usado para ‘varrer do mapa político um projeto de direita para o Brasil’.

“É totalmente inverossímil essa narrativa de golpe de estado. O que houve foi sim um debate, lá na reunião de julho, legítimo, salutar, em torno da necessidade de aprimoramentos constantes do sistema eletrônico de votação. Talvez com verve imprópria, sim, mas substancialmente é isso que ocorreu”, afirmou.

O advogado defendeu que Bolsonaro pode ter usado um ‘tom inadequado, ácido, excesivamente contundente’, mas que o debate sobre o sistema de votação é ‘legítimo’.

“A questão do voto impresso não pode ser tabu, foi objeto de uma proposta de emenda, que alcançou maioria simples”, argumentou. “O discurso de Bolsonaro vai de encontro com o que pensam milhões de brasileiros que, certos ou errados, não tem nada de golpistas. E mesmo entre os que não gostam do discurso, há brasileiros leais que dizem que o discurso pode evoluir.”

A defesa também tenta “salvar” o vice, general Walter Braga Netto, ao defender que uma eventual punição no caso só pode ser “personalíssima”.

Assista a íntegra da sessão

Veja o resumo da cronologia da ação, descrita no relatório lido pelo ministro Benedito Gonçalves:

PDT apresenta a ação em 19 de agosto de 2022;

TSE determina, em 24 de agosto de 2022, que vídeo da reunião seja removido das redes sociais;

Nove testemunhas são ouvidas ao longo da instrução do processo: os ex-ministros Anderson Torres (Justiça), Carlos Alberto Franco França (Relações Exteriores) e Ciro Nogueira (Casa Civil), o assessor Flávio Augusto Lima (ex-secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência), os peritos federais Ivo de Carvalho Peixinho e Mateus de Castro Polastro, o deputado federal Filipe Barros, o ex-deputado Vitor Hugo e o apresentador Augusto Nunes;

Minuta golpista para anular o resultado da eleição é incluída como prova nos autos, em 13 de janeiro de 2023, por “inequívoca correlação” com o processo;

Compartilhamento de provas do inquérito administrativo aberto pelo TSE, em agosto de 2021, sobre outras lives em que Bolsonaro atacou o sistema eleitoral;

Compartilhamento de provas do inquérito dos atos antidemocráticos e da investigação sobre o vazamento de informações de um inquérito da Polícia Federal a respeito de um ataque hacker aos sistemas do TSE;

Tribunal Superior Eleitoral encerra a fase de coleta de provas em 31 de março de 2023;

Defesa de Bolsonaro e advogados do PDT apresentam alegações finais;

Ministério Público Eleitoral envia parecer defendendo a condenação do ex-presidente;

Processo é liberado para julgamento em 1º de junho de 2021.

Retomada

O TSE reservou três sessões para o julgamento (22, 27 e 29 de junho). Todos os sete ministros devem ler seus votos, por causa do peso do julgamento, considerado histórico. O voto do relator, ministro Benedito Gonçalves, tem mais de 400 páginas. A íntegra já foi compartilhada com os colegas.

Se o ex-presidente for declarado inelegível pelo TSE, ele ficará impedido de participar das eleições de 2024, 2026 e 2028, mas ainda terá chance de participar do pleito de 2030, segundo especialistas em direito eleitoral ouvidos pelo Estadão. Isso porque o prazo da inelegibilidade é contado a partir da última eleição disputada, ou seja, 2 de outubro de 2022. Como o primeiro turno da eleição de 2030 está previsto para 6 de outubro, Bolsonaro já teria cumprido a punição. O ex-presidente, no entanto, ainda estaria inelegível no momento de registro da candidatura e precisaria brigar judicialmente para concorrer. Daqui a sete anos, Bolsonaro terá 75 anos de idade.

As chances de Bolsonaro se livrar da condenação são consideradas remotas. Entenda por que em quatro passos:

1. A composição do TSE

Faltam aliados a Bolsonaro na Corte. A ação só foi liberada para julgamento depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou dois novos ministros ao TSE – os advogados Floriano de Azevedo Marques Neto e André Ramos Tavares. Ambos são próximos de Alexandre de Moraes, presidente do TSE e considerado por aliados do ex-presidente como um de seus maiores algozes.

Nos bastidores, são esperados ao menos cinco votos contrários ao ex-presidente: o do corregedor Benedito Gonçalves, e os dos ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, André Ramos Tavares e Floriano de Azevedo. O voto do ministro Raul Araújo é uma incógnita. Ele pode ter “mudado de lado”, de acordo com pessoas envolvidas na tramitação do processo, e votar pela condenação. O ministro Kassio Nunes Marques daria, nesse cenário, o único voto a favor de Bolsonaro.

No sábado, 17, o próprio ex-presidente reconheceu que “os indicativos não são bons” para o julgamento no TSE. Porém, ele se disse “tranquilo”.

2. Parecer do Ministério Público

O Ministério Público Eleitoral apontou abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. O argumento é que Bolsonaro usou o cargo e a estrutura pública para “desacreditar a legitimidade do sistema de votação”.

“As distorções e inverdades repetidas pelo investigado Jair Bolsonaro por ocasião da reunião com os embaixadores e as insinuações de que a Justiça Eleitoral teria o intuito de beneficiar o candidato adversário influenciaram indevidamente parte do eleitorado a desconfiar do sistema eleitoral”, diz um trecho do parecer enviado ao TSE.

3. A ordem de votação

Um pedido de vista – mais tempo para análise – pode dar sobrevida ao ex-presidente e não está descartado. Interlocutores de Bolsonaro esperam contar com a fidelidade de Kassio Nunes Marques.

Uma questão regimental pode dificultar a vida do ex-presidente: Nunes Marques é um dos últimos a votar, o que aumenta as chances de a maioria estar formada. Nesse caso, o constrangimento de suspender um julgamento definido é maior, sobretudo considerando que os demais ministros podem adiantar o voto.

Após a leitura do relatório, as manifestações do PDT, da defesa de Bolsonaro e do Ministério Público Eleitoral, votam nesta ordem: Benedito Gonçalves (relator), Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Kassio Nunes Marques, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes.

4. Provas

Além da gravação da própria reunião, personagens envolvidos na organização da reunião com embaixadores foram ouvidos pelo TSE, como os ex-ministros Anderson Torres (Justiça), Carlos Alberto Franco França (Relações Exteriores) e Ciro Nogueira (Casa Civil).

A minuta golpista apreendida pela Polícia Federal na casa de Anderson Torres também foi incluída como prova no processo./AE

(Foto reprodução)

 

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