Os olhos de Antônio Enésio Tenharin estão desfocados, sem destino certo. Em cima das cinzas que encobrem os campos amazônicos, como é conhecida a área plana da terra indígena que ele lidera, Tenharin só enxerga um deserto morto. O horizonte é uma fumaça e, por trás dele, fogo. “Olha o que fizeram”, diz o índio. “Para que tudo isso? Por quê?”
Os parques amazônicos desenham uma linha plana na terra indígena ocupada há séculos pelo povo tenharin. Os indígenas que habitam a região sul do Estado do Amazonas achavam, até a noite passada, que estavam livres do fogo. Vinham fiscalizando toda a área como podiam, percorrendo as terras. Monitoravam e trocavam informações com a equipe de fiscalização do Ibama e do Instituto Chico Mendes. À noite, em televisões e celulares, ficavam assombrados com as notícias que percorrem o mundo, mostrando a floresta. Agora, estão dentro da catástrofe.
Os índios tenharins vivem numa área da Amazônia onde o desmatamento ilegal e a grilagem de terras afloram a olho nu, um cinturão verde onde o fogo “brota do nada”, no meio da floresta virgem. Com os ventos fortes, as labaredas avançam de forma descontrolada – sem que consigamos detectar os autores do fogo. “Cuidamos dessa terra, do nosso território. Até hoje, o fogo não tinha entrado. Mas agora veio de uma vez, em vários lugares. É um pavor para o nosso povo, porque faz nossas crianças ficarem doentes, mata os animais, só traz coisa ruim”, diz Tenharin, sentado sobre um monte de terra, no meio do chão preto.
A nuvem de fumaça que encobre a terra indígena avança pelos municípios amazônicos de Manicoré e Humaitá, segue para Porto Velho, em Rondônia, a 350 quilômetros de distância, e dali em diante. Na Amazônia, o dia é branco.
Os quase 3 mil indígenas tenharins que vivem na região estão em alerta. Durante o dia, a força da labareda, somada ao calor da Amazônia, não permite nenhuma aproximação. Para além de 30 metros de distância, qualquer aproximação maior é impossível. Nem mesmo os brigadistas conseguem trabalhar. À noite, quando a umidade aumenta e o calor diminui, é a hora de “ir para o combate”.
As terras indígenas são, historicamente, aquelas que mais preservam as florestas da Amazônia. As imagens de satélite, que hoje assustam o mundo ao exibir a fumaça que encobre a mata, revelam também que, onde há demarcação, a mata está de pé. Ou estava. “Não vamos ficar vendo tudo isso acontecer, parados”, diz Tenharin. “Nosso povo vai reagir. Não vão acabar com a nossa casa.”/ AE