Por Gustavo Carratte, idealizador do site Conexão Fut.
No momento em que Pelé deixou o Hospital Albert Einstein, onde estava internado desde o dia 24 de novembro, foram dadas as condições mínimas para que cada brasileiro iniciasse as suas reflexões a respeito de sua postura tão crítica, exigente e até mesmo cruel perante o Rei do Futebol nas últimas décadas. Isso porque, embora transformar graves episódios médicos em oportunidades pedagógicas possa parecer uma atitude insensível e desnecessária, talvez sejam justamente nestas ocasiões em que as tentativas de conscientização surtam mais efeito.
Pelé foi o maior gênio na arte de chutar uma bola que já existiu, e assim é tratado em qualquer lugar. Além da conquista de três Copas e mais uma série de façanhas com a camisa da Seleção Brasileira, foi o protagonista máximo de um Santos que encantou o mundo com duas Copas Intercontinentais, duas Libertadores da América, seis troféus nacionais e dez títulos paulistas, numa época em que os estaduais eram o que mais importava em um calendário futebolístico. Não parece pouco.
Edson Arantes do Nascimento, por sua vez, tem defeitos. Noves fora seus questionáveis posicionamentos pessoais, que não entrarão em questão justamente por assim serem, o homem que marcou mais de 1280 gols em sua carreira não costuma ser um exemplo de ativismo inteligente e progressista nas infindáveis vezes em que alguém que tem um microfone na mão acredita que ele precisa dizer a sua opinião sobre as grandes questões da humanidade.
O exemplo mais recente e emblemático aparece no caso de racismo de parte da torcida gremista contra o goleiro Aranha, na Copa do Brasil. Para ele, o assunto sairá de cena no exato instante em que todos pararem de falar sobre isso. Trata-se de um comportamento omisso e absolutamente ineficaz para o combate deste mal, além de ser o principal álibi para que tais manifestações, dignas de repúdio em qualquer momento da história, sejam tão expressivas em pleno dezembro de 2014. Não se pode esquecer, porém, que esse era o comportamento tido como padrão para as pessoas de sua época. Um rapaz falecido há mais de um século daria a isso o nome de “evolução da espécie”.
No futebol atual, as bandeiras mais relevantes também não estão no colo dos jogadores de maior projeção. O recém-aposentado Alex, por exemplo, era um destaque supremo no Coritiba. Por sua brilhante capacidade técnica, conseguia, inclusive, aparecer com força no cenário nacional. Mas não tinha e nem queria ter o protagonismo contínuo que, neste ano, coube a Éverton Ribeiro, Ganso, Diego Tardelli, D’Alessandro, Guerrero e outros tantos. Como uma segunda amostra disso, o zagueiro Paulo André não era o melhor de sua posição sequer no clube em que atuava no Brasil. Portanto, menos.
Pelé é um homem de seu tempo que vive em um outro tempo, e não está nem perto de ser uma referência política admirável, mas a distância entre o que ele representa na esfera socioesportiva e tudo aquilo que ele poderia representar no âmbito político – onde as coisas são, de fato, transformadas – não pode ser um vácuo impunemente explorado em nome de uma sociedade mais avançada.
Sejam quais forem as motivações por trás desta postura, uma lupa cheia de rispidez e ironias degradantes que aponta para determinados fatos em detrimento de outros, todas são desonestas. Se isso não mudar, a única coisa que irá sobrar em complicações clínicas futuras será uma comoção popular com contornos de desculpe-por-ter-sido-tão-