A saída de Bruno Araújo do Ministério das Cidades é mais uma confirmação do que a de José Serra do Itamaraty já indicara: o sonho de boa parte dos tucanos de reviver as glórias da transição com Itamar Franco desfez-se melancolicamente, reavivando o ensinamento de Karl Marx de que a história só se repete ora como tragédia ora como farsa.
Itamar também teve um início atribulado, com sucessivas trocas de ministros da Fazenda, mas chegou ao fim do mandato com gosto de vitória, lugar garantido na história e um candidato imbatível à sua sucessão. Para esse resultado, ele (baiano de nascimento) contou com sua astúcia mineira e com a participação efetiva dos políticos e economistas tucanos, liderados por Fernando Henrique.
Michel Temer também ascendeu à Presidência por um impeachment e com dois trunfos semelhantes ao de Itamar: alta (apesar de disfarçada) capacidade política, aliada a uma baixa pretensão futura. Foi assim, comparando condições e personagens, que José Serra liderou a ala tucana favorável à tese do “quem pariu Matheus que o embale”: se o PSDB foi decisivo ao tirar Dilma Rousseff para estancar a quebradeira do País, tinha responsabilidade com a gestão Temer. Não poderia simplesmente aboletar-se no conforto da arquibancada.
O sonho, portanto, era que Temer se transformasse num cabo eleitoral e tanto e apoiasse o próprio Serra, por exemplo, repetindo a relação de Itamar com Fernando Henrique. Mas sonhos são sonhos. A realidade é muito diferente e pode virar pesadelo.
Temer não era Itamar, Serra não era FHC, não havia Plano Real a ser inventado, a Lava Jato se voltou pesadamente contra o PMDB e as duas denúncias de Rodrigo Janot contra o presidente fizeram o resto. Em vez de batalhar para ser um protagonista de 2018, Temer teve de lutar para salvar o pescoço e foi perdendo apoios no PSDB e ganhando mais e mais pressões do Centrão.
Serra saiu de fininho do Itamaraty, acossado por dores de coluna e revelações da Lava Jato, e a situação no PSDB inverteu-se: Serra passou a lavar as mãos para os destinos do governo e Aécio Neves – que operado contra a participação dos tucanos no governo – assumiu o comando da ala favorável a continuar no primeiro escalão. Geraldo Alckmin? Esteve em cima do muro quando o partido entrou e continua em cima do mundo quando está pulando fora.
A demissão de Bruno Araújo abre a porta de saída do PSDB do governo e deixa Temer à mercê do Centrão – PP, PTB, PR, PSD – dando novos contornos para 2018. Uma coisa é um governo Temer com o PSDB, outra muito diferente é sem ele. Assim como uma coisa é uma campanha com PSDB e PMDB do mesmo lado, outra muito diferente é os dois concorrendo entre eles.
Temer conta com a recuperação da economia e dos empregos para entrar em campo, firme e forte, a favor de seu candidato. Nesse caso, ainda incerto e não sabido, Temer e o PMDB serão “players” muito importantes, mas sem um nome considerado realmente competitivo. E o PSDB viverá uma angústia oposta: terá um candidato forte, mas com que unidade, com quais forças políticas, com alguma convicção de vitória?
Assim como Temer não repete Itamar, dificilmente surgirá um novo Fernando Henrique nessa barafunda entre tucanos e tucanos, tucanos e peemedebistas e tucanos e governo. Enquanto o PSDB racha ao meio e o centro se pulveriza, Lula consolida sua liderança pela esquerda e Bolsonaro cristaliza sua imagem de anti-Lula pela direita.
(Estadão)