Eleições em tempos de pandemia. Por Júnior Bonfim

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Dois fatos.

Europa. Século XVII. Declarada a peste em uma cidade, havia um regulamento a ser cumprido para combater a epidemia. Uma severa quarentena, cuja violação gerava condenação à morte. Cada rua era vigiada por um síndico, que trancava as casas por fora e guardava as chaves. Animais soltos eram mortos. A vigilância era total e exigida obediência incondicional. Cada casa era monitorada individualmente. Durante os controles, todos os habitantes de uma casa deviam aparecer junto à janela. Aqueles que moravam em casas que abriam para quintais recebiam uma janela da frente para aparecer. Cada pessoa era chamada pelo nome e indagada sobre sua saúde. Quem mentisse, ficava exposto à pena de morte. Um sistema de registro completo é estabelecido.

Brasil. Século XX. Ano 1918. O véu surpreendente de uma pandemia cobriu os céus e um baile estranho, sob as notas mórbidas de um vírus, chamado Influenza, produziu um caos sanitário de proporções incalculáveis. Tal qual um gigantesco vulcão em erupção, a “gripe espanhola” emitiu larvas mortais sobre as áreas biológica, social e política em escala planetária. No Brasil, o paulista Rodrigues Alves, reeleito à Presidência da República nas eleições de outubro, foi alvejado pela gripe espanhola e, pouco tempo depois, era protagonista de um cortejo fúnebre. Foi solenemente conduzido ao cemitério em janeiro de 1919. Como um palco paradoxal, a epidemia exibiu gestos de grandeza, posturas de altruísmo e atitudes de solidariedade ao lado de espasmos de medo, acanhamentos retrógrados e arroubos de pequenez.

INTERESSES

A política é a arena, por excelência, dos gladiadores apaixonados. É o território em que se destaca essa pulsão chamada emoção. Virgílio Távora dizia: “Meu caro, a política é uma mulher sedutora, infiel e cara. Sedutora por que é apaixonante, infiel por que é traiçoeira e cara por que só se faz com dinheiro.” Talvez por isso seja tão forte, nos duelos por votos, a presença do calculismo egoísta. Nem um surto viral – como o do Coronavírus, que já fez tombar quase cem mil compatriotas – escapa à exploração politiqueira. Aliás, em todas as instituições que tive a oportunidade de colocar os pés –
sejam classistas, filantrópicas, sociais, esotéricas ou políticas – sempre vi presente o apego aos interesses pessoais em conflito com o desprendimento. Porém, em nenhum segmento, a busca por espaço, o sentimento de posse, a volúpia da ganância se expressa de maneira tão contundente como nas lutas partidárias. Parece que praticamente ninguém trabalha com a finitude humana. Ou seja, todos parecem desconhecer que, a qualquer  momento, poderemos partir para outra dimensão. Com efeito, sempre que nos aproximamos de um prélio eleitoral, essa pulsação se eleva, as especulações pululam e o tensionamento se torna como que inevitável.

ELEIÇÕES

Conforme ocorrido nas últimas refregas urnísticas, a disputa eleitoral deste ano será marcada pela primazia da internet. Com o país mergulhado em uma pandemia e sob a tutela de um distanciamento social por imperativo de saúde pública, a moderna comunicação digital certamente fará uma diferença substantiva. E esse peso ainda não foi suficientemente avaliado. O bombardeio eletrônico, a velocidade da comunicação e a informação instantânea alteram, em fração de minutos, o humor do eleitorado e nos coloca diante de uma situação sem precedentes no mundo da política: o fim do favoritismo. Uma candidatura bem avaliada, ou mesmo exitosamente à frente nas pesquisas, não significa necessariamente que será a vitoriosa, pois um eventual deslize ao longo do período, se bem explorado e potencializado através da internet, ensejará uma alteração no panorama de intenção de votos. Basta dizer que uma prática comum – a compra de votos – poderá ser colocada na rede mundial de computadores em tempo real, tornando o fato típico
incontestável. (Noutros tempos, todos sabiam da prática de ilícitos eleitorais, embora fosse difícil de provar.) Agora, com um celular na mão, um militante qualquer pode capitanear um flagrante e postar na internet, escancarar para todo mundo e deixar os órgãos de fiscalização na obrigação de apurar. Daí será irreversível a provocação ao Judiciário. Portanto, todo cuidado é pouco.

CONVENÇÕES

Embora a Emenda Constitucional 107 tenha garantido a liberdade dos atos de propaganda eleitoral, é óbvio que nenhum candidato vai correr o risco de promover aglomerações à revelia dos protocolos de saúde. Basta mirar o exemplo do Presidente dos EUA, Donald Trump. Por impulso, Trump resolveu fazer comício ocular em Tulsa, no sul de Oklahoma.
Logo em seguida, os casos de Covid-19 dispararam e ele caiu nas pesquisas. Que candidatura vai assumir o ônus de uma Campanha tradicional, presencial, corpo a corpo, sob amontoamento de pessoas, e depois carregar o ônus de eventuais óbitos? O caminho mais seguro é trabalharmos com os meios alternativos. (É óbvio que, sem comícios, passeatas e demais atos de ajuntamento humano, haverá diminuição significativa dos custos da disputa). Nessa esteira, o primeiro desafio para os partidos políticos, no formato inovador da Campanha deste ano, será a realização das Convenções. Como fazer uma Convenção virtual?! Como levar a efeito um modelo interativo e empolgante?!

IMPULSIONAMENTO

Diferentemente da eleição municipal passada, as regras para a campanha eleitoral virtual mudaram. Este ano, está permitida a impulsão de conteúdos na internet. O impulsionamento é o aumento do alcance de uma publicação realizada na internet. No Facebook, por exemplo, que já organiza os usuários por tipos de perfis e regiões, um candidato pode contratar um sistema de impulsionamento para atingir de modo mais certeiro seu eleitorado. Na eleição nacional pretérita, todos os candidatos à presidência lançaram mão do impulsionamento em suas pré-campanhas. Porém, qualquer um que
opte pela ampliação de divulgação de conteúdos há que se cercar das cautelas legais, pois a liberdade de comunicação contém cláusula de exceção: todos estão atingidos pela vedação à propagação de notícias falsas.

FAKE NEWS

Com base na eleição passada, vimos que a propaganda de guerra usada na Campanha esteve contaminada pelo uso indiscriminado de impulsionamento de notícias falsas. Essa prática é proibida e passível de ser punida. Aliás, a legislação estabelece que a propaganda eleitoral, sob qualquer modalidade de conteúdo, inclusive aquela veiculada por terceiros,
pressupõe que os seus responsáveis tenham checado, previamente, se ela é verdadeira. Portanto, o candidato, o partido ou a coligação, antes de publicar uma informação ou conteúdo de cunho propagandístico, devem verificar a fidedignidade do que estão alardeando, sob pena de eventual responsabilidade, inclusive penal. A Justiça Eleitoral tem sinalizado reiteradamente que, nestas eleições, vai apurar, com o rigor necessário, o uso nocivo de internet e mídias sociais. Hoje, essa prática tóxica de ferir a legitimidade das eleições, através da desconstrução de adversários por meio de notícias mentirosas, já está configurado como abuso, não só de poder econômico, mas também utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, haja vista que as mídias sociais são, indubitavelmente, meios de comunicação contemporâneos. O eleitor deve ficar atento, repelir e denunciar quem busca obter o seu voto por meios escusos. A mentira é a roupagem enganadora da maldade. Recuse-a. Vote para que sua cidade seja um ambiente melhor, com representantes honestos e decentes. Vote consciente!

PARA REFLETIR

“Guarda sempre: A confiança em Deus e em ti mesmo. A consciência tranquila. O tempo ocupado no melhor a fazer. A palavra construtiva. A oração com trabalho. A esperança em serviço. A paciência operosa. A opinião desapaixonada. A simplicidade nos hábitos. O espírito de renovação. O culto da tolerância. A perseverança no bem”. (Chico Xavier,
pelo espírito de André Luiz).

*Júnior Bonfim é escritor e advogado militante na seara do Direito Público
(Administrativo e Eleitoral).

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