José Luiz Datena, do “Brasil Urgente”, da Band, é um apresentador de talento. Comporta-se diante das câmeras com grande desenvoltura. Faz um programa de apelo popular, tentando emprestar certo sotaque de cidadania ao mundo-canismo. Não fossem as misérias humanas, sei lá o que levaria ao ar. Mas pretendo evitar o moralismo supostamente chique. Jornalistas investigativos de política e mesmo os analistas, como sou, também abordam, em certa medida, o mundo-cão, não é mesmo? Ou o petrolão é outra coisa?
Claro! O estilo, mais do que a informação, faz toda a diferença no tipo de trabalho de Datena. O país parece sempre à beira do abismo. Não há bondade no mundo. Um ser perverso está sempre a tramar contra o bem nas trevas. Apresentadores de programas policiais costumam ter soluções simples e geralmente erradas para problemas difíceis. Seus grandes clientes são a indignação, a insegurança e o medo.
Datena poderia continuar na televisão, onde deve ter audiência satisfatória para o horário e salário rechonchudo. Mas resolveu cometer o erro estúpido de se meter na política, onde não corre o menor risco de dar certo — ainda que venha a ser bem-sucedido no esforço de se tornar prefeito de São Paulo.
O homem decidiu se filiar ao PP, que lhe ofereceu a legenda. Assim, o moralista e sempre duro Datena pretende consertar os desmandos e disfunções da cidade na condição de aliado de… Paulo Maluf, que tem, sem dúvida, uma tradição e uma reputação na capital paulista.
Como não gosta, certamente, de coisas erradas, ele já entra na política por cima. Não tem militância partidária, não atuou até agora em nenhuma instância da vida pública que não a comunicação, mas já começa pelo topo, como candidato a gestor da maior cidade do país. Na política conforme a entende Datena, há disputa pelo passe — mais ou menos como se emissoras estivessem à cata de um talento.
Conversou com esse, com aquele, com aquele outro, mas se decidiu pelo PP malufista. No seu estilo de sempre, disse que só fez essa escolha porque o partido lhe apresentou uma proposta “direta, honesta e reta”. O que isso quer dizer? Não tenho a menor ideia. Segundo ele, no PP, não se sentiu “usado”. É verdade, não é mesmo? Por que um partido quereria usar um apresentador popular de TV para disputar a Prefeitura de São Paulo? Tenham paciência!
Ainda não estão claros os caminhos da disputa na cidade. Mas, em tese ao menos, o deputado federal Celso Russomanno (PRB), apresentador da Record, também disputará a cadeira de prefeito. Talvez seja o caso agora de a gente esperar os nomes das demais emissoras. Quem sabe apareça alguém da TV a cabo para acusar os outros de apelo popularesco, disputando o voto dos universitários…
Não que a política brasileira, entregue a profissionais, ande grande coisa. Todos sabemos que não. Estamos mais para o lixo do que o luxo moral. Mas é evidente que iniciativas dessa natureza só acrescentam certo caráter de chanchada ao que já não vai bem. Gente como Datena vende ao distinto público a ideia de que um prefeito pode, vamos dizer, ser tão olímpico como ele próprio é em seu programa — embora, claro!, saiba que tem restrições que não são do conhecimento dos telespectadores.
“Ah, esse fala mesmo! Ele não tem papas na língua”. Lamento! Não é apanágio de um bom homem púbico. Eu também não tenho. Aqui, na Folha ou na Jovem Pan. Por isso mesmo, meu lugar não é a política. O político capaz tem de lidar mais com a ética da responsabilidade — a teia de compromissos que necessariamente assume; e é bom que os assuma — do que com a da convicção, própria dos cidadãos.
Não ignoro que eu próprio tenho a fala fácil e atraio e atenção de muita gente pela dureza, clareza ou, vá lá, certeza dos meus erros. Cada um julgue como quiser. Mas isso não me prepara para a vida pública, para a política. E o mesmo vale para Datena. Ele deveria se poupar, e poupar a política, desse vexame.
Datena, ouça um bom conselho, eu lhe dou de graça: continue a ser um apresentador de talento em vez de se entregar à má política.