A reforma tributária avançou no Senado Federal após novas concessões feitas pelo relator, Eduardo Braga (MDB-AM), que acatou mais de 30 emendas apresentadas de última hora pelos parlamentares. As sugestões aumentam o número de setores com tratamento diferenciado, ampliam o uso do cashback (sistema de devolução de imposto) e atendem a interesses de governadores do Centro-Oeste e Nordeste.
Após seis horas de deliberações e tentativas de obstrução por parte da oposição, que tentou adiar a votação, o texto-base foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) por 20 votos favoráveis e 6 contrários. O líder da oposição, senador Rogério Marinho (PL-RN), foi a único a orientar de forma contrária à proposta. O Podemos liberou a bancada. Todos os destaques foram rejeitados pelo colegiado.
A próxima etapa será a votação no plenário da Casa, prevista para esta semana. Por se tratar de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), será necessário o apoio de três quintos dos parlamentares em dois turnos de votação, ou seja, 49 votos favoráveis dentre 81 senadores. Se aprovada, a matéria seguirá para uma segunda análise na Câmara dos Deputados, já que o texto sofreu modificações.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já antecipou que o Congresso poderá promulgar primeiro a parte da reforma que tiver consenso nas votações das duas Casas (Câmara e Senado). Nesse cenário, a análise das mudanças feitas pelos senadores só ocorreria depois da promulgação da emenda constitucional.
Lira garantiu, porém, que toda a PEC será votada, diferentemente do que aconteceu com outras propostas que foram fatiadas, e a segunda parte nunca chegou a ser aprovada. “O que nós vamos apreciar é o que o Senado alterou. Se não se configurar em muita coisa, a PEC pode, inclusive, ser promulgada e depois a gente discutir o que ficou divergente.”
Novas exceções
Nas emendas acatadas antes da votação na CCJ, Braga atendeu pleitos de governadores do Centro-Oeste (que poderão criar um novo tributo sobre matérias-primas produzidas em seus territórios) e do Nordeste (que poderão prorrogar incentivos fiscais concedidos à indústria automobilística).
As modificações também atendem ao setor financeiro e beneficiam as Sociedades Anônimas de Futebol. O senador incluiu, ainda, a previsão de cashback obrigatório para famílias de baixa renda na compra de botijão de gás. O relatório inicial de Braga já previa cashback no pagamento da conta de luz para as famílias mais vulneráveis.
O relator também retomou a redução de alíquota para atividades de reabilitação urbana de zonas históricas, que estava prevista no texto aprovado pela Câmara, mas havia sido retirada na primeira versão do parecer. E incluiu a aquisição de medicamentos e dispositivos médicos adquiridos pela administração pública e entidades de assistência social sem fins lucrativos na alíquota zero.
Apesar da ampliação dos tratamentos diferenciados, o relator afirmou que os fundamentos da reforma foram preservados e que as mudanças foram discutidas com o governo e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
“Nós procuramos ouvir todos os segmentos e procuramos, na medida do possível, representar essas pretensões sem perder o horizonte dos fundamentos da nossa emenda constitucional, que são: a simplificação, a neutralidade, a transparência, a segurança jurídica e o equilíbrio federativo”, afirmou Braga.
Maior IVA do mundo
Durante as deliberações na CCJ, a oposição se uniu para tentar aprovar uma emenda apresentada pelo senador Rogério Marinho, a qual alterava a trava para a carga tributária. Líder da oposição na Casa, Marinho propôs que, a partir de 2033, a alíquota do novo IVA fosse limitada a 20%. O destaque, porém, não obteve os votos necessários e foi rejeitado.
Na ocasião, Marinho afirmou que o Congresso vai “oferecer ao Brasil o maior IVA do mundo”, e que “alguns (setores) serão excepcionalizados e outros, sobrecarregados.” Segundo o senador, aqueles “que gritaram mais e tiveram maior capacidade de mobilização” foram ouvidos, e o peso disso “recairá sobre o contribuinte”.
Após as críticas às exceções, Marinho fez ressalvas à trava para aumento de carga tributária criada por Braga, que não estipula um porcentual máximo de cobrança do IVA. O texto do relator, aprovado na CCJ, institui apenas um teto de referência, com base na média da receita no período de 2012 a 2021, apurada como proporção do PIB.
Segundo o líder da oposição, essa fórmula cria um “piso” para a cobrança de impostos que vai gerar um aumento de carga, logo na largada do sistema, de R$ 55 bilhões. “Cai por terra a afirmação do governo de que não haverá aumento de carga, de que ela será neutra”, disse.
Em meio à pressão, Braga anunciou que, após a votação da proposta no plenário do Senado, vai solicitar um novo estudo à equipe econômica sobre o impacto das mudanças na alíquota do IVA.
“Da mesma forma que fui ao Ministério da Fazenda pedir que apresentasse um estudo sobre a alíquota com base no texto aprovado pela Câmara, nós vamos pedir também um estudo sobre a alíquota do texto aprovado no Senado”, afirmou.
O último estudo da Fazenda, com base na versão anterior do parecer de Braga, previa que a alíquota do novo tributo poderia chegar a 27,5%, figurando, assim, entre as maiores do mundo.
Disputa entre os Estados
Apesar da guerra interna entre os Estados, o relator da reforma manteve os critérios da partilha do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), que terá aportes de R$ 60 bilhões anuais e será abastecido pela União.
A regra atual de divisão prevê 70% do repasse via Fundo de Participação dos Estados (FPE), beneficiando o Norte e Nordeste; e 30% por critérios populacionais, o que atende ao Sudeste.
O texto, porém, incorpora uma mudança na regra de divisão do IBS, o Imposto sobre Bens e Serviços, que será de competência de Estados e municípios, para premiar os entes que aumentarem a arrecadação e evitar os chamados “caroneiros”,/AE
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