O ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), acusou seu colega de tribunal Gilmar Mendes de ter “parceria com a leniência em relação à criminalidade do colarinho branco”.
“Não transfira para mim esta parceria que Vossa Excelência tem com a leniência em relação à criminalidade do colarinho branco”, disse Barroso a Gilmar, durante sessão do plenário.
Antes desta frase, Gilmar havia dito que Barroso soltou o petista José Dirceu.
Em outubro de 2016, Barroso declarou extinta a pena dada ao petista por envolvimento no esquema de compra de votos no Congresso Nacional revelado em 2005. No entanto, Dirceu continuou preso, para cumprir pena na Lava Jato.
Barroso rebateu afirmando que quem soltou Dirceu foi o STF, não ele.
Em maio deste ano, a Segunda Turma do STF, composta por cinco magistrados, decidiu conceder habeas corpus a Dirceu, preso em 2015 pela Lava Jato. O julgamento estava empatado em 2 a 2. Coube a Gilmar, que então era o presidente do colegiado, desempatar o caso. Ele votou a favor de Dirceu. “Não sou advogado de bandidos internacionais”, rebateu Gilmar, em referência ao italiano Cesare Battisti, para quem Barroso advogou antes de virar ministro.
Battisti foi condenado à prisão perpétua na Itália nos anos 70 por quatro assassinatos. Ele alega ser alvo de perseguição política. Fugiu para o Brasil e a Itália pediu sua extradição. Barroso foi seu advogado no caso, que tramitou no STF.
“Vossa Excelência muda a jurisprudência de acordo com o réu. Isso não é Estado de Direito, é estado de compadrio. Juiz não pode ter correligionário”, disse Barroso.
A discussão ocorreu durante julgamento de um caso relativo a tribunais de contas do Ceará, quando então Gilmar criticou as contas do Rio. “Não sei para que hoje o Rio de Janeiro é modelo. Mas à época se dizia ‘devemos seguir o modelo do Rio’. Sou relator de processo contra depósitos judiciais e mandei sustar as transferências ao Rio”, disse. “Deve achar que é Mato Grosso, interrompeu Barroso. O ministro afirmou que Gilmar “não trabalha com a verdade” e “destila ódio, não julga”.
A ministra Cármen Lúcia, presidente do tribunal, interrompeu a discussão e pediu para que eles voltassem ao julgamento.
Veja trechos da discussão
“Deve achar que é Mato Grosso”, interrompeu Barroso.
“Não, é o Rio de Janeiro mesmo”, retrucou Gilmar.
“Onde está todo mundo preso”, disse Barroso.
“No Rio não estão”, disse Gilmar.
“Aliás, nós prendemos e tem gente que solta”, afirmou Barroso.
“Veja o caso: solta cumprindo a Constituição. Vossa Excelência quando chegou aqui, soltou o José Dirceu.
“Porque recebeu indulto da presidente da República [Dilma Rousseff]”, disse Barroso.
“Não. Vossa Excelência julgou os embargos infringentes [um tipo de recurso processual]”, disse Gilmar.
“Não, não, absolutamente. É mentira. É mentira. Aliás, Vossa Excelência normalmente não trabalha com a verdade. Então eu gostaria de dizer que o José Dirceu foi solto por indulto da presidente da República. Vossa
Excelência está fazendo comício que não tem nada a ver com Tribunal de Contas do Ceará. Vossa Excelência está queixoso porque perdeu o caso dos precatórios e está ocupando tempo do plenário com um assunto que não é pertinente para destilar este ódio constante que Vossa Excelência tem. E agora o dirige contra o Rio. Vossa Excelência deveria ouvir a última música do Chico Buarque: ‘A raiva é filha do medo e mãe da covardia’. Vossa Excelência fica destilando ódio o tempo inteiro. Não julga, não fala coisas racionais, articuladas, sempre fala coisa contra alguém, sempre está com ódio de alguém, com raiva de alguém. Use um argumento”, disse Barroso.
“E se dizia que o mensalão era um caso fora da curva”, continuou Gilmar.
“Zé Dirceu permaneceu preso sob minha jurisdição. Inclusive, revoguei a prisão domiciliar porque achei imprópria. E concedi a ele indulto com base no decreto aprovado pela presidente da República porque ninguém é melhor nem pior do que ninguém. Portanto, apliquei a ele a lei que vale para todo mundo. Quem decidiu foi o Supremo. Aliás, não fui eu. Porque o Supremo tem 11 ministros. E, portanto, a maioria entendeu”, falava Barroso, quando foi interrompido.
“Então não venha, então não venha”, cortou Gilmar.
Barroso então continuou: “Entendeu que não havia o crime. E depois ele cumpriu a pena e só foi solto por indulto e mesmo assim permaneceu preso porque estava preso por determinação da 13ª Vara Criminal de Curitiba. E agora só está solto porque a Segunda Turma determinou que ele fosse solto. Portanto, não transfira para mim esta parceria que Vossa Excelência tem com a leniência em relação à criminalidade do colarinho branco”.
Gilmar voltou a criticar as contas do Rio.
E depois emendou: “Quanto ao meu compromisso com o crime de colarinho branco, presidente, tenho compromisso com os direitos fundamentais. Fui presidente do Supremo Tribunal Federal, que inicialmente liderou o mutirão carcerário. São 22 mil presos libertados, e era gente que não tinha sequer advogado. Não sou advogado de bandidos internacionais”.
“Vossa Excelência muda a jurisprudência de acordo com o réu. Isso não é Estado de Direito, é estado de compadrio. Juiz não pode ter correligionário”, disse Barroso.
“Tenho esse histórico e, realmente, na Segunda Turma temos jurisprudência responsável e libertária, e não fazemos populismo”, afirmou Gilmar.
Cármen Lúcia interrompeu: “Ninguém faz, ministro. O Supremo Tribunal faz julgamentos”. Ela fez algumas considerações sobre o julgamento e encerrou a sessão.