Estadão – Editorial
Parece não passar um único dia em que o cidadão brasileiro que paga suas contas e impostos em dia não se veja na desconfortável condição de otário. Está cada vez mais claro que o chamado “petrolão” é apenas o símbolo mais vistoso de um assalto generalizado e desinibido aos cofres públicos. Fica a sensação de que quadrilheiros estão espalhados por quase todos os desvãos da administração pública à espera de uma brecha para montar seu balcão de negócios. A recente descoberta de robustas fraudes na Receita Federal e na Caixa Econômica Federal serve para mostrar, a exemplo do que se viu no mensalão e agora no petrolão, como os mecanismos de controle estão sempre em desvantagem em relação à criatividade e à ousadia dos corruptos.
O caso da Receita Federal é particularmente alarmante. A Polícia Federal (PF) desarticulou um esquema que pode ter anulado nada menos que R$ 19 bilhões em multas aplicadas pelo Fisco. O esquema, segundo a PF, é relativamente simples. As empresas em débito teriam pago propina para que integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) – o órgão do Ministério da Fazenda que avalia recursos de grandes contribuintes punidos por terem débitos bilionários com a Receita – simplesmente cancelassem a punição.
A PF afirma que empresários eram procurados por ex-conselheiros do Carf que lhes ofereciam o esquema, em troca de um pedágio que variava entre 1% e 10% do valor do débito. O dinheiro, sempre segundo a PF, era pago aos conselheiros do Carf, que então aprovavam pareceres favoráveis às empresas. Segundo as investigações, uma dívida de R$ 150 milhões chegou a ser cancelada.
O pagamento era feito por pequenos escritórios de advocacia sem atuação prévia na área tributária. Esses escritórios eram “contratados” pelas empresas interessadas no esquema, por meio de contratos de falsos honorários – em um dos casos, esses honorários chegaram a R$ 60 milhões.
A fraude teria envolvido cerca de 70 empresas, entre as quais algumas dos setores automobilístico, siderúrgico e agrícola, além de grandes bancos. As investigações mostram ainda que pelo menos uma estatal teria também recorrido aos favores da quadrilha.
Em escala bem menor, mas com a mesma desfaçatez, outra quadrilha atuou na Caixa Econômica Federal para fraudar contratos para aquisição de cerca de cem imóveis. Nesse caso, que gerou perdas de R$ 102 milhões, houve clara demora das autoridades para detectar as irregularidades, pois as operações ilegais eram feitas desde 2012. Além disso, elas estão centradas principalmente em imóveis na Região dos Lagos, no Estado do Rio de Janeiro, circunstância que deveria ter levantado suspeitas muito antes, evitando que os prejuízos fossem tão elevados, afetando a própria imagem da instituição.
É verdade que a fraude só pôde ser praticada com a conivência de funcionários da Caixa que conhecem os meandros contábeis capazes de dissimular financiamentos que ferem as normas da instituição.
O que torna o caso ainda mais estranho é o fato de que esses financiamentos foram aprovados em menos de quatro dias. Como sabem milhares de cidadãos que obtiveram financiamentos da Caixa para a compra da casa própria, as exigências são rigorosas, num processo que leva mais de um mês.
Segundo a PF, um imóvel era avaliado por um preço até 1.000% maior, dando origem a financiamentos de cerca de R$ 1 milhão. Isso era feito também com imóveis inexistentes. Para disfarçar, algumas prestações eram pagas, mas depois os compradores sumiam, tornando-se inadimplentes. A facilidade das operações e o tempo que o esquema funcionou permitem supor que esse tipo de fraude pode ter sido replicado em outros locais.
Em meio a tudo isso – e nada sugere que não haverá novos escândalos como esses -, ouvem-se retumbantes discursos oficiais sobre a necessidade de combater a corrupção – como se palavras ao vento bastassem para acabar com a bandalheira e, principalmente, com a sensação de que nunca foi tão fácil roubar.