Em mais um capítulo de sua cruzada destrambelhada contra o Brasil, o governo de Donald Trump revogou os vistos de dois brasileiros que participaram da criação do Mais Médicos, embora já não estejam ligados ao programa: Mozart Julio Tabosa Sales e Alberto Kleiman.
A canetada autoritária ainda atingiu Alexandre Padilha de forma indireta. Atual ministro da Saúde, ele também comandou a pasta na gestão de Dilma Rousseff (PT), quando o Mais Médicos foi instituído, em 2013. Como seu visto estava vencido, os americanos cancelaram o de sua mulher e o de sua filha, de apenas 10 anos.
O governo Trump, que não é referência moral para nada, sustentou a medida como reação ao que chamou de “esquema de exportação de trabalho forçado do regime cubano,” uma vez que médicos oriundos da ilha participaram da iniciativa até 2018.
Os EUA alegaram que o programa “enriquece o corrupto regime cubano e priva o povo cubano de cuidados médicos essenciais”. Afirmaram, ademais, que a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) atuou como intermediária para o governo Dilma driblar requisitos constitucionais.
Justificativas patéticas como essas evidenciam o caráter arbitrário da decisão americana —celebrada por gente como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), um bufão que se converteu em inimigo do Brasil.
Qualquer leitura desapaixonada da situação aponta o óbvio: a relação do programa com a ditadura de Cuba, de fato problemática, acabou faz tempo. Havia motivos para criticar os termos do acordo —e esta Folha o fez, de forma tempestiva. Eles deixaram de existir, porém, sete anos atrás.
De resto, é preciso desconhecer tanto a realidade cubana quanto a brasileira para falar em “trabalho forçado” no Mais Médicos, assim como é preciso ignorar a história para assumir que os EUA se importem com a saúde de Cuba.
A verdade é que o Mais Médicos, com os reparos que merecem ser feitos, cumpriu função importante ao levar atenção primária aos rincões do Brasil.
Trump, contudo, não está preocupado com a lógica mais comezinha. Ele só quer saber de espezinhar o governo e o Judiciário brasileiros —tome-se como exemplo o tresloucado relatório sobre direitos humanos no país.
Mas não deixa de ser curioso o arranjo surrealista desse quadro: Trump, que tanto gosta de parecer durão, aceita agir como pit bull dos Bolsonaros, enquanto estes, que tanto posam de nacionalistas, investem todas as fichas em ações destinadas a prejudicar o próprio país./Folha SP
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