Os concursos públicos previstos para este ano deverão abrir 215 000 vagas, segundo estimativa da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos Públicos (Anpac). É uma boa notícia num ano em que a economia, estagnada, deverá provocar cortes nas equipes em empresas da iniciativa privada.
Por isso, a expectativa é que 15 milhões de pessoas se candidatem a esses postos. “No momento em que se fala de redução de quadros nas companhias, é natural que as pessoas procurem algo que garanta salário e maior segurança”, diz Francisco Fontenelle, coordenador pedagógico da LFG, escola preparatória de concursos, de São Paulo.
A boa oferta de concursos neste ano é consequência do calendário mais apertado de 2014. “Muitas provas que deveriam ter ocorrido no ano passado foram adiadas por causa das eleições e da Copa do Mundo”, afirma Marco Antonio Araujo Junior, presidente da Anpac. Se a promessa de estabilidade e bons salários atrai muita gente, também é grande o número de pessoas que abandonam pela metade o projeto de se preparar para um concurso público devido à dificuldade de conciliar a dedicação aos estudos com o trabalho, enquanto não conseguem ser aprovadas.
Para saber como viabilizar esse plano, a VOCÊ S/A ouviu seis profissionais que se tornaram craques nesse tipo de seleção. “Passar em concurso tem de ser projeto de vida”, diz Gustavo Nogueira de Sá, de 28 anos, analista do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo.
Aprovado em 15 concursos, ele criou até um aplicativo — que já contabiliza 20 000 downloads — para repassar a outros candidatos suas técnicas de estudo. Ao longo desta reportagem, ele e outros ex-concurseiros dão dicas para que você consiga transformar em realidade o sonho de ingressar no serviço público.
Garanta um salário
Gustavo Nogueira de Sá, de 28 anos, trabalha como assessor de desembargador no Tribunal Regional do Trabalho, em São Paulo, desde 2012. Concurseiro experiente, já participou de 20 dessas seleções, foi aprovado em 15, nomeado em 11 e assumiu quatro dessas posições. Sua recomendação a quem deseja se dedicar ao projeto de estudar para concursos é garantir uma fonte de renda em um trabalho de carga horária pequena durante o período de preparação.
Em sua estratégia, ele foi aprovado em uma seleção para técnico do TRT, vaga que exige apenas nível médio. A nomeação permitiu a Gustavo estudar para o concurso de analista do mesmo tribunal, que exige superior completo. “Estava concluindo a faculdade de direito e sabia que, se estivesse trabalhando na área, minha chance de aprovação aumentaria muito”, diz. Enquanto trabalhava como técnico, Gustavo garantia um salário, ganhava a experiência que contaria pontos e ainda se familiarizava com o assunto das provas.
Reserve dinheiro
O engenheiro mecânico Kaíque Knothe, de 26 anos, de Rio Claro, no interior de São Paulo, passou em primeiro lugar no concurso para auditor da Receita Federal, posto para o qual foi nomeado em novembro do ano passado. Até tomar a decisão de estudar para concursos, Kaíque trabalhou como consultor de estratégia em uma empresa em São Paulo, mas não gostou do emprego.
Para poder retomar os estudos, o engenheiro manteve-se no trabalho e juntou uma reserva suficiente para cobrir seus gastos pessoais por pelo menos um ano. Depois, pediu demissão e voltou a morar com os pais, no interior, para cortar custos e se dedicar aos estudos em tempo integral — 4 horas no cursinho e mais 7 em casa.
O planejamento financeiro permitiu que o engenheiro se concentrasse nos estudos sem a pressão das contas mensais. “Ainda tive a vantagem de poder voltar a morar com meus pais, e assim não ter de pagar aluguel”, diz. Mas a escolha envolveu sacrifícios. “Fiquei um ano sem comprar outra coisa que não fossem livros e apostilas”, afirma.
Organize um grupo
Em sua preparação para os concursos, a bacharel em direito Gabriela Pereira Barbosa, de 25 anos, de Recife, Pernambuco, encontrou uma solução para esclarecer as dúvidas que surgiam ao resolver questões de provas antigas ou de simulados.
Ela formou um grupo de ajuda com duas amigas que estudam para concursos da mesma área. “Nos encontramos todos os fins de semana para corrigir as provas feitas e comentar as questões”, diz Gabriela. “Isso ajuda muito na fixação do conteúdo, porque uma explica para a outra.” A técnica já deu resultado: Gabriela foi aprovada no ano passado num concurso para procuradora federal, mas nem a boa notícia a fez interromper os estudos. “Meu objetivo é o Ministério Público”, diz.
Mantenha a disciplina
Durante um ano, o hoje procurador do estado do Rio de Janeiro, Gabriel Baltazar, de 26 anos, dormiu apenas 5 horas por noite. A agenda estendida era para conseguir conciliar estudos com trabalho. Das 5 às 8 horas, Gabriel estudava em casa. Depois, ia para o cursinho. Ficava lá até meio-dia, quando entrava no emprego. Às 19 horas, quando voltava para casa, pegava os livros de novo e lia até meia-noite. “Tem de ter força de vontade, senão, não funciona”, diz Gabriel.
A disciplina envolvia evitar beber ou ir a festas, para não comprometer o tempo dedicado aos estudos no dia seguinte. Para não esquecer o que foi estudado, Gabriel adotou um esquema de revisão cíclica dos assuntos. Cada semana era dedicada a uma matéria, durante a qual ele lia e fazia resumos sobre aquele tema. Quando todas as matérias tinham sido estudadas, ele recomeçava o ciclo. “Deu para revisar tudo algumas vezes com essa estratégia”, afirma.
Escolha uma área de estudos
Farmacêutica de formação, Letícia Taschetto, de 32 anos, abandonou, em 2010, a farmácia de manipulação onde trabalhava para se dedicar ao sonho de passar num concurso público. A princípio, ela fez várias provas e não passou.
Foi quando percebeu que é mais produtivo se concentrar em concursos de uma mesma área, com conteúdo parecido. “Há matérias que são importantes para um tipo de prova, mas têm um peso muito menor em outras”, afirma Letícia, que focou na Receita Federal.
Apostar numa área surtiu efeito e, em 2013, ela tomou posse como analista tributária da Receita, depois de ser aprovada no concurso em primeiro lugar. “Passar entre os primeiros é ótimo porque é a única garantia que o concursado tem de que poderá escolher onde vai trabalhar”, afirma Letícia, que escolheu um posto da Receita a 1 hora de sua casa, em São José dos Campos.
Crie uma técnica de memorização
Aprovado em quatro concursos, o oficial de gabinete da Justiça Federal em Santa Catarina Rodrigo Firmo, de 27 anos, tornou-se especialista em memorizar conteúdos. “As provas dependem muito da capacidade de decorar números, datas e leis”, diz Rodrigo. Uma de suas táticas favoritas é ler trechos de livros no gravador e ouvir o áudio — em vez de música — enquanto corre. “Gravei todo o artigo 5o da Constituição no MP3 player e levava comigo”, diz.
Outra técnica adotada foi formar palavras que ajudam a memorizar o conteúdo estudado. “Os cinco princípios do artigo 37 da Constituição, por exemplo, formam a palavra ‘limpe’: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”, afirma Rodrigo. Apesar de já estar no serviço público, ele continua a estudar, agora para uma vaga de juiz.