Livros explicam como as redes sociais manipulam seu comportamento

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“Sorria, você está sendo filmado.” O simpático aviso, comum em estabelecimentos comerciais, precisa de uma atualização. É o que mostram o jornalista Franklin Foer  em O Mundo que Não Pensa (LeYa) e o cientista da computação Jaron Lanier  em Dez Argumentos para Você Deletar Agora suas Redes Sociais (Intrínseca), livros que investigam como a humanidade vem delegando funções cognitivas às máquinas e cedendo poder ao Vale do Silício. Segundo eles, estamos sob constante vigilância e nossos dados são usados para traçar perfis psicológicos, manipular opiniões, vender publicidade sob medida e prever nossas ações.

Para entender o mundo atual, Foer repassa a história da informática e identifica a origem dos algoritmos no filósofo e cientista Gottfried Leibniz (1646-1716), que inventou uma linguagem baseada em conceitos matemáticos independente de humanos para funcionar. Ele acreditava que “não deveria haver mais motivo para dois filósofos brigarem, o mesmo valendo para duas calculadoras”.

Algoritmos consistem em uma série de instruções simples que, se seguidas passo a passo, resolvem um problema lógico. Na prática, são os códigos que o Spotify usa para recomendar uma música; a Netflix, para sugerir um filme; ou o Facebook, para decidir quais notícias ou postagens mostrar e quais ocultar para cada um de seus usuários com base em suas preferências prévias. “O problema é que quando terceirizamos o raciocínio para as máquinas, na verdade estamos terceirizando o raciocínio para as organizações que operam as máquinas”, alerta Foer.

“Os algoritmos se empanturram de dados sobre você a cada segundo”, escreve Lanier. “Em que tipos de link você clica? Quais são os vídeos que vê até o fim? Com que rapidez pula de uma coisa a outra? Onde você está quando faz essas coisas? Com quem está se conectando pessoalmente e on-line? Quais são as suas expressões faciais? Como o tom da sua pele muda em diferentes situações? O que você estava fazendo pouco antes de decidir comprar ou não alguma coisa? Você vota ou se abstém?” Cruzados, esses dados embasam estatísticas que podem ser aproveitadas para veicular anúncios mais personalizados e efetivos.

“Nós não podemos permitir que as pessoas se sintam impotentes diante dessas empresas”, afirma Foer em entrevista ao Aliás. “Nosso objetivo deveria ser promover diversidade e pluralidade, mas também limitar concentrações de poder.” Sua principal preocupação é a formação de monopólios por meio da compra de startups. “Existem determinados sistemas – como o telefone e o telégrafo, exemplos clássicos – que jamais teriam florescido num mercado competitivo. Os custos de montar uma rede abrangente são exorbitantes”, explica ele, que teme uma replicação desse modelo no Vale do Silício. Foer relata, por exemplo, a ocasião em que a Amazon retirou livros da Hachette de seu catálogo durante negociações com a editora para pressioná-la a aceitar suas condições. Para ele, a relação entre a loja de Jeff Bezos e os editores de livros é extremamente desigual.

“As corporações estão claramente preocupadas com a possibilidade de que seus monopólios sejam quebrados, é por isso que estão tentando integrar seus diferentes serviços. Os europeus vêm mostrando formas mais sutis de desmembrar as empresas ao limitar sua habilidade de capturar e controlar o mercado de publicidade”, diz, por telefone. Foer propõe uma regulação estatal para impedir que o poder se concentre em poucas mãos, como ocorre hoje, embora, quando questionado, reconheça o risco: “Há um perigo em deixar governos regularem empresas de tecnologia para seus próprios interesses políticos.”

Ex-editor da New Republic, Foer admite que escreveu seu livro movido pelo ressentimento após sua demissão pelo cofundador do Facebook Chris Hughes, atual dono da revista. Já Jaron Lanier, um dos pais da realidade virtual e da internet 2.0, oferece em Dez Argumentos para Você Deletar Agora suas Redes Sociais o ponto de vista interno de quem trabalha com tecnologia. “Muitas crianças do Vale do Silício frequentam escolas que adotam a pedagogia Waldorf e em geral proíbem aparelhos eletrônicos”, revela ele em seu livro, ao mostrar os mecanismos de psicologia behaviorista que as redes sociais utilizam para manter seus usuários viciados – o eufemismo oficial é “engajados”. “Emoções negativas, como medo e raiva, vêm à tona mais facilmente e permanecem em nós por mais tempo do que as emoções positivas. Leva-se mais tempo para construir confiança do que para perdê-la.” É por isso que as redes são infestadas de “haters” e brigas intermináveis, sem empatia ou diálogo.

As “bolhas” formadas nas redes derivam da forma como o conteúdo é categorizado e exibido aos usuários. “Involuntariamente, os algoritmos apresentam aos leitores textos e vídeos que apenas confirmam crenças e tendências profundamente arraigadas; eles suprimem opiniões contrárias, que podem inquietar o usuário”, explica Foer, para quem a solução é proteger o jornalismo, mesmo às custas da ideia de que “a informação quer ser livre”, tão alardeada pelo Vale do Silício. “O público compreendeu que informação de qualidade é fundamental para a preservação da democracia, e que terá de pagar por ela.”

Lanier acredita que a raiz desse mal não é a internet, os smartphones ou mesmo a coleta de dados, porque todas essas ferramentas podem ser, e frequentemente são, usadas para fins benéficos. Para ele, o problema ocorre quando esses instrumentos “são impulsionados por um modelo de negócio em que o incentivo é encontrar clientes dispostos a pagar para modificar o comportamento de alguém.” Ou seja, os “clientes” das redes sociais não somos nós, mas sim seus “anunciantes”. É a velha máxima: se algo é gratuito, a mercadoria é você.

E o poder dessas empresas é assustador: “Por meio dos dados, é possível saber onde você estará amanhã em um raio de vinte metros e prever, com razoável precisão, se o seu relacionamento romântico terá futuro”, exemplifica Foer. Lanier relata experimentos psicológicos conduzidos pelo Facebook à revelia de seus usuários, em que a rede comprovou que poderia influenciar o comparecimento das pessoas às urnas ou provocar alegria ou tristeza com pequenas alterações em seus feeds.

“Sim, é ótimo as pessoas poderem estar conectadas, mas por que elas têm que aceitar uma manipulação por parte de terceiros como preço dessa conexão? E se a manipulação, não a conexão, for o verdadeiro problema?”, provoca Lanier em um de seus argumentos. O autor acredita ser possível criar redes sociais saudáveis e que não sejam prejudiciais para a democracia, mas para isso o modelo de negócios das empresas por trás delas não poderia ter como objetivo a manipulação de comportamento em massa, como é hoje.

De acordo com ele, uma estratégia que não envolvesse anúncios, como cobrar assinaturas mensais nesses serviços, seria o primeiro passo para que as redes sociais realmente criassem pontes entre as pessoas, em vez de barreiras. Foer concorda que essa seria uma medida benéfica, mas ressalta: “Não podemos forçar as empresas a mudar seus modelos de negócio, e elas não farão isso sozinhas.”

O que nós, como indivíduos, podemos fazer diante dessas empresas? Foer oferece uma alternativa aos grilhões tecnológicos: “Há poucos dias, a grande poeta americana Mary Oliver nos deixou. Uma de suas frases dizia que ‘A atenção é o início da devoção’. Se não tomarmos conta de nossa atenção e a deixarmos sob o controle de corporações, será muito difícil para nós. Se queremos preservar o indivíduo, viver em um mundo com beleza e cultura, então tudo começa com proteger nossa atenção./AE

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